top of page

Aeroporto


Votar: direito ou dever?

Dez vultos caminham vagarosamente. - Dizem que as dores de alma afetam os movimentos… - Caminham com uma nuvem negra sobre a cabeça, mas com o sorriso presente nos lábios. Contam piadas. Contam histórias. Falam de trivialidades do dia de ontem que não volta mais, o que o torna menos trivial do que qualquer outro assunto. Despejam palavras que amortecem a queda, como um golpe de misericórdia que é dado aos pouquinhos.

Sabem o que se avizinha. Sabem para onde se dirigem. Ao fundo, a indicação “Portas de Embarque” fá-los parar. Voltam as costas ao destino e conversam. Na continuidade do hoje, com a certeza do amanhã. Não é assim nem parece mas o disfarce ajuda por momentos. É assim que fintam as lágrimas que teimam em surgir, como o Renato Sanches percorre o campo inteiro para evitar o golo adversário. Os olhos não mentem, são mais ruidosos do que os risos que esboçam.

Um abraço de quando em vez e a lágrima solta-se por instantes. Voltam ao exterior para fumar os últimos cigarros, num ritual que todos compreendem bem e partilham. Mais uma máscara que colocam para enganar a saudade. Saudade… A palavra que ganha um novo e verdadeiro significado, um gosto amargo e mordaz que vem das entranhas. Sabem-no sem o dizerem. Como sempre acontece nas grandes amizades, naquelas que cultivamos por anos, desde os tempos da escola, onde tudo era tão fácil e a vida se avistava, ao longe, com um sorriso e um aceno. Aqui, no Aeroporto Sá Carneiro, a palavra saudade ganha asas, levanta voo; fica em terra também, que a saudade vive de assimetrias.

“Vamos vê-lo sempre. Tudo vai ficar na mesma”, pensam, com esforço. Só desejam voltar à escola, só por mais um dia, para jogar à bola e torcer pelo Futebol Clube do Porto. Ou pelo Benfica. Porque a amizade perdoa qualquer falta de gosto.

São os mesmos. A vida mudou. Crescer tem destas coisas: uma série de desencontros que não compreendemos e raras vezes aceitamos.

O ar frio arrepia-os, ou talvez sejam os seus pensamentos que mais os enregelam. Vêm como facadas que os petrificam. É tempo de ir. Sabem-no. Retornam ao interior do aeroporto e sabem que o momento está iminente. Faltam 40 minutos para o embarque. Não cabem as saudades em tão poucos minutos…

Mas antes é altura da última fotografia. A última em algum tempo, em tempo indefinido, que é a pior forma de tempo. Juntam-se todos, posam e sorriem genuinamente. É tão bom estarem juntos!.. Como é bom ter amigos! E a realidade da distância pouco diz a quem se ama tanto. Fica na memória da máquina fotográfica aquele momento, registado com a certeza de que não se perderá a lembrança.

Caminham novamente. Como tantas outras vezes fizeram anteriormente. Quando iam para a praia, para o parque de campismo, para as casas onde cada um vive, para o pavilhão… Em frente, em direção à vida. E o destino agora não é diferente. “Vou à vida, que a morte é certa.” É isso. Caminham juntos, sempre juntos. Dói e pesa a sensação de que, mais uns passos à frente, não será assim.

Abraçam-se um a um. Não se despedem, porque o dicionário dita que na palavra amizade não cabem despedidas. Mas as lágrimas teimam em chegar na hora da partida. Sabem que é o melhor, mas não podem evitá-lo. Dizem as palavras que conseguem e arrependem-se de não terem conseguido melhor. No ar, ficam as promessas de que se irão ver sempre, de que a amizade se irá manter, de que terão filhos e que eles também serão amigos, de que ainda beberão muitas cervejas e irão ao futebol. Não é preciso exteriorizar o que a alma teima em gritar.

Sete homens, jovens ainda, encorpados, altos e donos de si, choram como bebés. A saudade aqui toca a todos. Uns escondem as lágrimas com os óculos escuros, os mais ousados exibem os olhos avermelhados do choro. As duas jovens choram também, olhos fixos no chão, pensamentos voam e pairam nas nuvens.

O último aceno. O último por algum tempo. Quem parte leva partes dos outros e nunca estará só, mas a sombria dúvida do futuro transborda pelos olhos. Sorri. Porque é grato pelo que construíram e agora deixa para trás. Voltará sempre, claro, a distância Genebra-Porto é muito pequena para corações que se encontram sempre tão perto. Desaparece pela porta de embarque. Todos ficam em silêncio. Um silêncio que pesa como as nuvens negras lá fora cheiinhas de gotas de água. Ficam a olhá-lo, a ver a pequena figura do grande homem desaparecer ao longe. Percorrem o seu caminho com o olhar na esperança de um imprevisto. Contemplam-no em surdina. O silêncio é carregado, a alma pesa. As lágrimas libertam um pouco do fardo.

Abandonam o aeroporto e seguem diferentes caminhos. Nada será como dantes… As recordações vêm como flechas. Olham para cima, para o avião que os sobrevoa. Voltam para casa. Amanhã é outro dia. Que bom seria que fosse ontem… Ficam no ar um abraço invisível que os une, uma cortina de fumo que os separa e as reticências do indizível…


Últimas Publicações

bottom of page